Pequeno rescaldo para uma (suposta) grande cerimónia

 

anora

Ano­ra

Ano­ra foi um fil­me que na minha pri­mei­ra visu­a­li­za­ção foi me difí­cil de per­ce­ber se teria sido o rumo mais cor­re­to, ten­do sido ou não, foi o rumo que levou o fil­me a estar aon­de ele se encontra.

Ano­ra vai falar-nos de uma dan­ça­ri­na eró­ti­ca que conhe­ce um filho de um oli­gar­ca rus­so, e que ele rapi­da­men­te se envol­ve de uma for­ma mais român­ti­ca com ela, Ano­ra vive então o com­ple­to sonho ame­ri­ca­no, ou até a clás­si­ca his­tó­ria da Cin­de­re­la. Ano­ra come­ça a viver esse sonho ame­ri­ca­no, é leva­da pela for­ma de tra­ta­men­to cari­nho­sa de Ivan e che­gam até a casar, des­de o momen­to em que Ano­ra mete o anel no dedo e os dois de fac­to casam em Las Vegas, aqui tudo pas­sa do sonho para o pesadelo.

O desen­ro­lar do fil­me aca­ba por desen­vol­ver a per­so­na­gem de Ano­ra, aqui não como dan­ça­ri­na ou até acom­pa­nhan­te de Ivan, mas sim como sua mulher, algo que mais nin­guém sem ser a pró­pria con­se­gue ver pela sua “clas­se soci­al” , aqui pode­mos ver como Ano­ra está com­ple­ta­men­te “cega” por Ivan e que nada a con­se­gue con­ven­cer do con­trá­rio, sem­pre lutan­do para man­ter o casamento.

O final de Ano­ra pode pare­cer a uma pri­mei­ra vis­ta amar­go, raso, sem com­ple­xi­da­de e sem nexo, mas um olhar cui­da­do e mais aten­to verá a gran­de men­sa­gem que se foi cons­truin­do até aque­le final, um final que não pre­ci­sou de gran­des diá­lo­gos para ser um das melho­res cenas do filme.

a substancia

A Subs­tân­cia

O fil­me “A Subs­tân­cia” apre­sen­ta como um body-hor­ror mui­to capaz e em geral bem cons­truí­do na men­sa­gem que quer pas­sar, com uma crí­ti­ca à indús­tria cine­ma­to­grá­fi­ca e não só, com uma dire­ção rígi­da, no sen­ti­do dos movi­men­tos de câma­ra, e na sua foto­gra­fia, o fil­me tam­bém faz refe­rên­cia aos gran­des cine­as­tas do gêne­ro, quer seja ao psy­cho de Hit­ch­cock, o The Shi­ning do Kubrick ou até ao Vide­o­dro­me do Cro­nen­berg, dan­do ain­da uma peque­na refe­rên­cia (aos espec­ta­do­res mais aten­tos) verão de Lost Highway de Lynch.

A Subs­tân­cia” é de fac­to um fil­me mui­to inte­li­gen­te, mas que infe­liz­men­te faz o espec­ta­dor de bur­ro, ou até ler­do, o fil­me peca pelo expo­si­ção dema­si­a­da de cer­tos ele­men­tos, que os espec­ta­do­res já tinham assi­mi­la­do ante­ri­or­men­te, numa pri­mei­ra ou até segun­da expo­si­ção a esse elemento.

o brutalista

O Bru­ta­lis­ta

O Bru­ta­lis­ta o mai­or fil­me este ano (ape­nas em dura­ção) a ser nome­a­do, con­ta-nos a his­tó­ria de um judeu que pós 2ª Guer­ra, deci­de imi­grar para a Amé­ri­ca. O fil­me devi­do a sua dura­ção é repar­ti­do em duas partes.

A pri­mei­ra par­te inti­tu­la­da de “The Enig­ma of Arri­val” mos­tra a che­ga­da do per­so­na­gem prin­ci­pal Lász­ló Toth aos Esta­dos Uni­dos, esta pri­mei­ra par­te mos­tra aqui­lo que é a pai­xão de Laz­lo, a arqui­te­tu­ra, isso o faz feliz, mos­tra ain­da a dor de ser imi­gran­te num país e as difi­cul­da­des de uma famí­lia sepa­ra­da pela guer­ra, esta pri­mei­ra par­te do fil­me não só é bem con­ta­da, mas bem geri­da quer seja o rit­mo do fil­me quer seja a atu­a­ção entre os per­so­na­gens, tudo é mui­to bem con­du­zi­do, o que infe­liz­men­te não acon­te­ce na segun­da parte.

Já a segun­da par­te inti­tu­la­da de “The Hard Core of Beauty” mos­tra a che­ga­da da sua mulher Erz­sé­beth Toth, que che­ga final­men­te à Amé­ri­ca, a par­tir daqui o fil­me dei­xa de se focar no seu pon­to prin­ci­pal, e que foi ful­cral para o inte­res­se do espec­ta­dor na obra para se dei­xar levar pelas intri­gas do rela­ci­o­na­men­to dos Toth, ten­do ain­da dei­xa­do alguns pon­tos des­ne­ces­sá­ri­os que no final das con­tas, não acres­cen­ta­ram nada a sua his­tó­ria, ou até que dei­xam a his­tó­ria mais frá­gil do que pro­pri­a­men­te ela era, para que “jogar” com o valor de cho­que para real­men­te se con­tar a his­tó­ria que se quer con­tar? Já para não falar do epí­lo­go que é com­ple­ta­men­te des­pro­po­si­ta­do, e não acres­cen­ta nada à história.

De relem­brar que nem tudo do fil­me é pés­si­mo, a sua ban­da sono­ra e a sua mon­ta­gem são ambos pon­tos altos do fil­me, quer a sua ban­da sono­ra por ser uma lufa­da de ar fres­co, cada vez que é intro­du­zi­da ao lon­go do fil­me, quer pela sua mon­ta­gem sedu­to­ra aos olhos dos espectadores.

Mas no final das con­tas fica um pro­je­to mui­to ambi­ci­o­so para um rea­li­za­dor que ain­da não esta­va pron­to o sufi­ci­en­te para o realizar.

conclave

Con­cla­ve

Con­cla­ve é um fil­me que fala sobre con­fli­tos de inte­res­se, nome­a­da­men­te no momen­to em que o Papa mor­re e é pre­ci­so ele­ger o seu suces­sor, o fil­me con­se­gue trans­for­mar o espa­ço pro­fa­no para o cine­ma de uma manei­ra mui­to inte­li­gen­te e nun­ca de manei­ra ente­di­o­sa , a manei­ra como fil­ma os espa­ços de cul­to, prin­ci­pal­men­te o con­ven­to e os ros­tos quer seja dos con­cla­ves como das irmãs, é de fac­to um aspec­to de des­ta­que do fil­me, de des­ta­car tam­bém aqui que nas irmãs, a fabu­lo­sa Isa­bel­la Ros­sel­li­ni com um papel mar­can­te e que pon­tua o fil­me de uma manei­ra mui­to inte­res­san­te. A ban­da sono­ra tam­bém acom­pa­nha este dra­ma de modo a com­ple­men­tar os momen­tos de ten­são gera­dos ao lon­go do fil­me, de uma manei­ra sub­til, mas extre­ma­men­te bem feita.

Con­cla­ve é um fil­me cui­da­do­sa­men­te bem exe­cu­ta­do, e com uma foto­gra­fia pau­ta­da pela ima­cu­la­da figu­ra dos conclaves.

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Dune Par­te Dois

Uma seque­la dire­ta do pri­mei­ro fil­me do mes­mo rea­li­za­dor, que traz com ele uma expan­são do uni­ver­so cine­ma­to­grá­fi­co de Dune tal como tinha sido fei­to no pri­mei­ro fil­me, aqui vemos o pla­no e a vin­gan­ça efi­caz do per­so­na­gem prin­ci­pal e que já se apro­xi­ma­va no fil­me ante­ri­or, vemos uma mai­or com­ple­xi­da­de nos personagens.

Mas no final das con­tas reve­la um fil­me que nas suas par­tes de com­ba­te, prin­ci­pal­men­te o com­ba­te em peque­nas dis­tan­ci­as, são con­fu­sas e até mal exe­cu­ta­das, e mais uma vez o fil­me peca pela sua pró­xi­ma sequência. 

emilia pre

Emi­lia Pérez

Já mui­to se falou de Emi­lia Pérez um dos fil­mes mais nome­a­dos do ano, mas um dos menos apre­ci­a­dos pela crí­ti­ca, este fil­me con­ta a his­tó­ria de um líder de um car­tel de dro­ga mexi­ca­no, res­pon­sá­vel por um inú­me­ro núme­ro de mor­tes e de desa­pa­re­ci­men­tos de pes­so­as, esse líder, rap­ta uma advo­ga­da para o aju­dar a mudar de gêne­ro, para além de essa mudan­ça ser fei­ta e explo­ra­da de uma manei­ra mui­to pobre, são esque­ci­dos os inú­me­ros cri­mes come­ti­dos e em tro­ca a per­so­na­gem que ago­ra é mulher deci­de virar “do bem” e fazer uma asso­ci­a­ção con­tra o trá­fi­co huma­no e ten­tar rever­ter todas as ações que pra­ti­cou. Isto para além de ridí­cu­lo é alta­men­te mal pen­sa­do e de uma fal­ta de inves­ti­ga­ção sobre pes­so­as trans e sobre o povo mexi­ca­no . Um fil­me que diz do esta­do da Academia…

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Ain­da Estou Aqui 

O úni­co fil­me que não é fala­do em lín­gua ingle­sa na cate­go­ria de Melhor Fil­me, o fil­me que fala sobre o perío­do de dita­du­ra mili­tar bra­si­lei­ra, é um fil­me que diz bas­tan­te, mas nem tan­to pelos diá­lo­gos, mas sim pelos olhos e os olha­res das per­so­na­gens, prin­ci­pal­men­te pelos olhos da per­so­na­gem prin­ci­pal inter­pre­ta­da pela atriz Fer­nan­da Tor­res, no papel de Euni­ce Pai­va, que está mui­to bem, que con­duz o fil­me de manei­ra mui­to con­ti­da mas com maes­tria exemplar. 

Ain­da Estou Aqui tam­bém faz um óti­mo tra­ba­lho de reme­ter o espec­ta­dor para aque­le perío­do his­tó­ri­co do Bra­sil, e mos­tra ain­da as feri­das de hoje do perío­do (não tão remo­to assim) em que o fil­me se situa. 

nickel boys

Nic­kel Boys

Nic­kel Boys é o úni­co fil­me da cate­go­ria de Melhor Fil­me que não teve até a Cerimô­nia não teve dis­tri­bui­ção nos cine­mas em Por­tu­gal, o fil­me rea­li­za­do de uma manei­ra bas­tan­te par­ti­cu­lar todo rea­li­za­do em pri­mei­ra pes­soa, segue a his­tó­ria de Elwo­od que vai parar a uma esco­la refor­ma­tó­ria nos anos 60 nos Esta­dos Uni­dos, que é pau­ta­da por ser extre­ma­men­te vio­len­ta com os seus alu­nos, che­gan­do até a matar alguns.

O fil­me mos­tra as tor­tu­ras a que os alu­nos eram sub­me­ti­dos e con­tras­ta com um par­te em que exis­te um tra­ba­lho de inves­ti­ga­ção à pro­cu­ra de pro­vas que aque­la “esco­la” aca­bou por mas­sa­crar pes­so­as, prin­ci­pal­men­te mino­ri­as étnicas. 

wicked

Wic­ked

Wic­ked é cons­ti­tuí­do por uma his­tó­ria já conhe­ci­da, vin­da do musi­cal da Bro­adway, que diz ser uma pre­que­la do fil­me The Wizard of Oz, con­ta a his­tó­ria de Elpha­ba e de Galin­da, Elpha­ba ridi­cu­la­ri­za­da ter um tom de pele dife­ren­te de todos as outras per­so­na­gens do fil­me, o fil­me explo­ra essa maté­ria como a sua temá­ti­ca prin­ci­pal, exis­te ain­da tam­bém a men­sa­gem de que exis­te uma clas­se a pros­pe­rar a cus­ta das outras, mas isso é extre­ma­men­te mal explo­ra­do, o fil­me nos aspec­tos téc­ni­cos ou seja rea­li­za­ção, foto­gra­fia, cor, dei­xa bas­tan­te a dese­jar, (prin­ci­pal­men­te se pen­sar­mos em quão boni­to e poli­do é o fil­me de 1939, The Wizard of Oz), nas par­tes musi­cais que é tudo mui­to con­fu­so, mes­mo o tra­ba­lho de atri­zes e ato­res no fil­me é alta­men­te raso e não exis­te pro­fun­di­da­de nenhu­ma, mes­mo na atriz prin­ci­pal que inter­pre­ta o papel de Elpha­ba não exis­te nada mui­to mar­can­te na sua perfomance. 

Pen­so que a dura­ção não jus­ti­fi­ca o fil­me para aqui­lo que quer real­men­te mos­trar, e que tal como Dune Par­te Dois anseia pela sua continuação. 

Quan­do escre­via estas crí­ti­cas aos fil­mes nome­a­dos aos Ósca­res, depa­rei me com um fac­to de que ain­da na 97ª edi­ção dos Ósca­res, mais uma vez não há nenhum fil­me por­tu­guês nome­a­do em qual­quer uma das cate­go­ri­as, um Óscar que ago­ra dese­ja tan­to pas­sar a ideia de repre­sen­ta­ti­vi­da­de e de inclu­são con­ti­nua a dei­xar gran­de par­te dos paí­ses da Euro­pa de fora. Um país como Por­tu­gal, que por exem­plo este ano ganhou o pré­mio de Melhor Rea­li­za­ção em Can­nes, não repre­sen­ta nada para a Aca­de­mia. Acho incré­du­lo, mas nun­ca esque­cen­do o fac­to de que os Ósca­res não dei­xam de ser uma pre­mi­a­ção da indús­tria nor­te-ame­ri­ca­na para tam­bém a cul­tu­ra nor­te-ame­ri­ca­na, a aber­tu­ra do Óscar está mais do que na altu­ra para ser fei­ta, é pre­ci­so mais votan­tes por­tu­gue­ses e mes­mo euro­peus na Aca­de­mia de for­ma a tam­bém o nos­so cine­ma poder ter mais visibilidade.

Crí­ti­cas por: Gui­lher­me Paiva