crítica: underground, era uma vez uma obra-prima

underground

O fil­me ven­ce­dor da Palm D’Or no Fes­ti­val de Can­nes, em 1995, “Under­ground”, de Emir Kus­tu­ri­ca, é ele­tri­zan­te, trá­gi­co, como­ven­te, de uma dimen­são incon­ce­bí­vel, onde se invo­ca a poe­sia, o sur­re­a­lis­mo e o rea­lis­mo frio e cru da guer­ra, e está de vol­ta às salas de cine­ma numa res­tau­ra­ção em 4K, dis­tri­buí­da em Por­tu­gal pela Nitra­to Filmes.

O fil­me é apre­sen­ta­do e divi­di­do em 3 partes.

O iní­cio é inti­tu­la­do “A GUERRA”. A razão do nome vem do bom­bar­de­a­men­to de Bel­gra­do pelas for­ças nazis que come­ça em 1941. Após isto, um gru­po de resis­ten­tes escon­de-se numa base sub­ter­râ­nea, e aí esta­be­le­ce-se o pon­to de par­ti­da, todo o desen­ro­lar da his­tó­ria. Nes­te momen­to, dá-se uma trans­for­ma­ção drás­ti­ca na vida daque­les que ante­ri­or­men­te segui­am quo­ti­di­a­nos comuns e que ago­ra pas­sam a viver numa cave. Sem aces­so ao mun­do fora daque­le espa­ço em que se abri­gam, é ali que os indi­ví­du­os vão ficar até a guer­ra aca­bar, ou assim pen­sa­vam eles… 

A segun­da par­te inti­tu­la-se “A GUERRA FRIA” , e, tal como o nome indi­ca, decor­re já no perío­do his­tó­ri­co apre­sen­ta­do. Por esta altu­ra, os resis­ten­tes con­ti­nu­am a viver na cave, e os seus dias nun­ca esti­ve­ram melho­res. Já há um lugar para o fabri­co de armas, um lugar onde as pes­so­as podem tomar banho, onde podem con­vi­ver, e onde tam­bém vivem com con­for­to pos­sí­vel. Vis­to que o con­fli­to arma­do decor­ren­te da segun­da guer­ra mun­di­al já havia ces­sa­do, o “nor­mal” já esta­va esta­be­le­ci­do, tor­nan­do pos­sí­vel a estes resis­ten­tes aban­do­na­rem a cave, pos­si­bi­li­da­de este que não se con­cre­ti­zou. As per­so­na­gens cen­trais, Mar­ko e Nata­li­ja escon­dem a ver­da­de de todos na cave, para seu pró­prio bene­fí­cio, extre­man­do esse segre­do até ao melhor ami­go de Mar­ko, Blacky.

Na ter­cei­ra par­te, “A GUERRA”, devi­do a uma série de even­tos, as pes­so­as final­men­te saem da cave, segu­ros de que esta­ri­am a viver a segun­da guer­ra e a lutar con­tra os nazis, mas não é essa rea­li­da­de que se tra­va ago­ra. No momen­to da sua saí­da, em 1992, decor­re a guer­ra civil na Bós­nia, que ditou o fim da fede­ra­ção jugos­la­va, levan­do à ruí­na todos os per­so­na­gens que saem da cave. De real­çar que, ao lon­go das três par­tes que com­põem a lon­ga-metra­gem, acom­pa­nha­mos as mes­mas per­so­na­gens. Todas eles sofrem mudan­ças e, a par dis­so, todas elas são bem cons­truí­das e o papel da cada uma é bri­lhan­te­men­te exe­cu­ta­do. Não con­se­guin­do dar des­ta­que a todas as per­so­na­gens, darei a ape­nas 5 que, para mim, foram as mais impac­tan­tes, são eles Mar­ko, Blacky, Nata­li­ja, Ivan e, por fim, Jovan que atu­am de for­ma exí­mia nos seus papéis. Sali­en­to ain­da a ban­da sono­ra do fil­me, que envol­ve e emba­la o espec­ta­dor na per­fei­ção, sen­do o tom cómi­co e sar­cás­ti­co de uma gran­de maestria.

A obra refle­te-se ain­da numa crí­ti­ca soci­al bas­tan­te den­sa e extre­ma­men­te neces­sá­ria. No geral, o fil­me sabe ser engra­ça­do, e tem espa­ço para isso, mas tam­bém é sério sem­pre que o deve ser, o que, de fac­to, é de lou­var. Deve-se ain­da des­ta­car a rea­li­za­ção que faz jus a toda a his­tó­ria, uma foto­gra­fia mar­can­te, um con­to que sabe mui­to bem o seu “cami­nho” e a dire­ção que deve tomar. 

Por fim, “Under­ground — Era uma vez um país”, tem uma ener­gia vibran­te: é cheio de vida, mas igual­men­te car­re­ga­do de morte.

Escri­to por: Gui­lher­me Paiva