No que toca a escala, o imaginário dos cineastas sempre se viu limitado ao orçamento e não há campo que sofra tanto isso como o da ficção fantástica. Trata-se de projectos cuja propensão envolve à partida ambiciosos efeitos visuais, tal como manda e mandata a regra dos blockbusters americanos ou asiáticos desde a década de 50. Infelizmente, os limites do Instituto do Cinema e Audiovisual ou semelhantes instituições de apoio financeiro não permitem tal empreendimento visual a nível nacional. Ou sequer europeu.
Aliás, foi no velho continente que se originou um espécime cinematográfico que pega nas transcendências desse fantástico e molda as mesmas em torno da introspecção humana, de modo a fascinar em primeiro plano a alma e não tanto a visão, embora este último sentido não seja de todo ignorado. O cinema oriundo da então União Soviética foi notoriamente o primeiro a enveredar por tal abordagem mais filosófica. Com efeito, foram autores do outro lado da cortina de ferro como Karel Zeman ou Andrei Tarkovski que revolucionaram a estética estimulante da 7ª arte a cadências mais minimalistas.
Segue-se pois a década de 80, em que o cinema a nível global, temendo um futuro sem recursos monetários, começa-se afastar dos visuais futuristas e tecnológicos e a explorar precisamente os conceitos fatalistas da distopia pós-apocalíptica. Tais temáticas acordam com os temores que se vivenciavam do holocausto nuclear e do ser humano que, perante um mundo devasto, se vê reduzido à sua determinante convicção survivalista. Embora popularizado pela franquia “Mad Max” do australiano George Miller, muitos outros autores como Luc Besson (em “O Último Combate”) ou Andrzej Zulawski (com “On the Silver Globe”) deram seguimento a cenários distópicos mais pautados ou meditativos.
Já o alemão Wim Wenders, com a sequência inicial de “O Estado das Coisas”, deu a conhecer ao mundo o potencial pós-apocalíptico das paisagens arcaicas portuguesas. Infelizmente, muitos autores nacionais contemporâneos não têm dado seguimento a tal exploração visual, talvez por falta de interesse em projetos de ficção pós-apocalíptica. “Serpentário”, estreia auspiciosa de Carlos Conceição no formato longa-metragem, aparenta ser uma emocionante excepção à regra, dada a sua notabilidade na última edição do Festival Internacional de Cinema de Berlim ao angariar comparações a nomes de culto como Konstantin Lopushansky, Nikos Nikolaidis ou Apichatpong Weerasethakul, assim como alguns mais sonantes como Michelangelo Antonioni ou Jean-Luc Godard.
Saiba mais na seguinte ligação: Crónica do Festival – Parte V.