Manoel de Oliveira tem sido considerado pelos seus pares como um dos grandes Mestres do cinema. Aos seus 73, como jeito de registo cinematográfico da dor, memoriza a sua casa, o abandono do material e a perda da estabilidade para um novo ponto de partida existencial. Apesar de parecer algo totalmente nefasto se olhado superficialmente, representou um marco na sua carreira, a influência da busca pelo real que pode ser ficcionado, a referência e amor pela arte de forma transversal (não são raras as referências a Agustina, por exemplo) expressa pela película.
“Visita ou Memórias e Confissões”, obra que por desejo do próprio Mestre só estaria disponível depois da sua morte, é agora mostrada publicamente na XXII Edição do Festival Caminhos do Cinema Português. Mantendo os desejos de Oliveira, o filme será passado em película, sendo a oportunidade do espectador de ver a obra produzida em vida e divulgada em morte. Tal como num filme a fita une o início e o fim, esta é a obra que une o surgir e o desaparecer de Manoel de Oliveira. Mas um ausentar-se do mundo meramente físico, pois no imaginário colectivo cinematográfico o Mestre será para sempre uma referência viva.
Na sessão da noite com “O Cinema, Manoel de Oliveira e Eu” João Botelho assume-se indirectamente como descendente artístico (e de alguma forma quase espiritual) do Mestre. Uma ode ao próprio Oliveira, como que de uma pintura de filho para pai se tratasse. É a forma de Botelho recusar o luto do seu pai cinematográfico, assumindo a continuação da sua vida em obra repudiando a catarse depressiva mas sendo melancólico. Como um género de tela a dois, entre morto e vivo, este filme une as ideias de Oliveira (com partes argumentativas deste) com a narração e conceitos de Botelho. No fundo, é um filme de Botelho feito com o seu mestre mítico com o objectivo de superar a noção de vida e de morte e preenchendo assim a lacuna deixada pelo passamento de Oliveira.
“O Cinema, Manoel de Oliveira e Eu” é um documentário, um documento histórico registado em filme e uma prova de amor. E citando o realizador: “vou-me atrever a filmar uma história inédita que Manoel de Oliveira deixou e nunca conseguiu realizar, para romper as reflexões e os exemplos do seu trabalho ímpar, como aprendiz humilde da sua sabedoria e como agradecimento a tudo o que ele me ensinou.”.
Aconselhamos todos a irem ao TAGV hoje, dia 25 de Novembro, para um dia de cinema sobre a memória e sobre o Agora que é eterno.
Um até já,
João Pais,
Selecção Caminhos
— Originalmente publicado em http://j.mp/2fMjt3Z