Quem conhece a trágica biografia da escultora Camille Claudel, pensa que vai para a sala assistir a um género de remake do filme de 1988 de Bruno Nuytten. Desengane-se o espectador, pois o que irá assistir é um mergulho profundo em Camille Claudel per se e não naquela biografia de cordel que retrata tragicamente os últimos anos da artista no asilo psiquiátrico. O único ponto em comum é aquele que o título nos revela: trata-se de Camille Claudel e o ano é o de 1915.
O que o realizador Bruno Dumont nos quer mostrar, não é bem aquela ponderação teologal ou espiritual que nos tem habituado nos seus últimos trabalhos, nem tampouco um existencialismo quase divino como em ‘Hors Satan’ (2011).
Dumont é terra-a-terra em ‘Camille Claudel 1915’, mostrando-nos algo totalmente humano: a relação da artista com o seu irmão; a visita deste ao hospício onde aquela esteve internada até aos fins dos seus dias; e aquele sentimento de revolta na mente artística, alienada e ao mesmo tempo lúcida de Claudel. A sanidade é encontrada aquando da percepção do que a rodeava: todos os internados padeciam de algum transtorno ou deficiência mental profunda.
Claudel tinha uma mente complexa e negra, não é por acaso que algumas das suas primeiras esculturas foram esqueletos! Precoce na sua capacidade artística, o pai que a colocou cedo nos melhores bancos das Belas Artes, foi o mesmo que assegurou as melhores e mais fortes amarras nas camas dos hospícios do sul de França.
Desconhece-se também o motivo que terá levado a artista àquele estado profundo de loucura, muitos dizem que terá sido o seu envolvimento fugaz com Rodin. Seja como for, sou daqueles que acredita que dentro de Claudel existia uma perspicuidade e lucidez imensas, uma vontade de se salvar de um mundo que brotava modernismo. Dumont conseguiu transparecer isso tudo neste filme, mas não sozinho. Curiosamente, Juliette Binoche brilhou. Digo curiosamente, porque Binoche tem desiludido com alguns dos seus últimos trabalhos. Sendo uma actriz multifacetada, neste filme, juntamente com Dumont, mostrou-nos realmente Camille Claudel. Revelou-nos a ansia, o medo do mundo (o medo constante de ser envenenada) e, principalmente, o medo dela mesma. Binoche faz-nos crer que a artista vivia num género de síndrome de locked in constante. Bem melhor que Isabelle Adjani em 1988!
Dumont mostra-nos maturidade em ‘Camille Claudel 1915’ mas, acima de tudo, mostra-nos a artista de forma intensa e em poucos dias da sua vida. Sem sombras de dúvida, uma obra ímpar que vale a pena apreciar, mesmo para aqueles que desconhecem a vida e obra da artista. Se esse é o seu caso, que este seja o mote para descobrir a amante sombria de Rodin. Digo isto, pois apesar de tudo, era assim que ela devia ser relembrada.
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JRP